sábado, 25 de julho de 2009

V Caminhada das Lésbicas e Simpatizantes de Minas Gerais

Sobre o movimento lésbico, a parada e minha montagem.



Na sexta-feira fui a uma festa, já quase montada para a parada: maquiada, cabelo pintado e cortado. Contei a um amigo (gay) sobre meu plano. "Vou à parada montada: de sapatão e minissaia." Ele comentou: "Sarah, como você sobrevive às pequenas crueldades com você mesma..."

O engraçado é que ele estava certo. Afinal, ressignificar um termo tão pesado como "sapatão" e utilizar isso como força politica não é algo muito simples. Fora a parte prática de se montar, que delonga o cabeleiro, a roupa...



Ao se pensar em nomes, sempre penso: um dia sairemos dessa necessidade desvairada de dar nomes às coisas?


Sapatão, tucha, funcha, lésbica, homossexual, homoamante, cola velcro, sapa , mapoa, entendida...

Isso modifica minha relação com meu corpo? O nome que dão à minha forma de me expressar sexualmente reflete o que, exatamente?

A meu ver, os nomes trazem um afastamento do cotidiano; afinal, sapatão não significa que temos pés grandes; é uma desagregação do nosso discurso político e nossa forma de o representar.

Acho politicamente necessária a inclusão dessas falas,
nossas (entendidas) e de outrem (sapatão), porque é através delas que nós nos reconhecemos e nos auto-identificamos.

Mesmo assim, é preciso lembrar o caráter histórico e contingente das palavras, razão pela qual seus usos também devem ser revistados permanentemente para não deixar de fora aqueles que esperam ser representados.


O termo sapatão vem sempre de um outsider, um outr
o, e, afinal, o movimento gay é para o outro; nós (pelo menos os bem resolvidos) não temos problemas em dar nomes ou com manifestação de carícias e afetos; pelo contrário, resolvemos isso muito bem.

Aprendi cedo o que significava ¨sapatão¨; veio aos meus ouvidos gritado de um carro quando ainda era muito nova e muito "bofinho". Aí vem um questionamento óbvio: o termo sapatão é excusivo para lésbicas de um estilo masculino?



Voltando à minha roupa, ela tinha questionamentos explícitos, para aqueles dispostos a ler na moda discursos de linguagem.

Na parada e na caminhada, é fácil observar que na maioria as mulheres são mais andróginas ou masculinas. Não há juízo de valor nessa frase; é só uma constatação.

Eu me questiono sempre por quê. Será necessário ser mais masculina para ser ativamente política?

Pensando nisso, se deve analisar que a lesbofobia que sinto e que sofro em meu corpo enquanto uma lésbica do estilo mais feminino é bem distinta de uma lésbica do estilo mais masculino. (Obs. a teoria queer utiliza os termos bucht / femme. Evito utilizá-los por achá-los longe do nosso cotidiano.)

E posso estar errada, mas acredito que a lesbofobia para lésbicas femininas é mais frequente e para as lésbicas mais masculinas é mais violenta.

A manifestação do preconceito para uma lésbica feminina vem sempre pelo abuso sexual ou pela ridicularização. Para os homens "comuns", o lesbianismo é uma piada, uma excentricidade para diversão deles.


Para nós, lésbicas, é nossa forma de ser, de amar, onde nos completamos no outro.

A homofobia, por mais que lutemos, ainda ocorre todos os dias. Aqui falando de minha experiência, não há um dia em que não escuto uma piada ou que não aparece um "engraçadinho" para tentar alguma coisa. Não tem um dia em que entro em uma boate, até em boates gays, que um homem não me segura pelo braço e tenta beijar minha parceira e eu.

Apesar disso, a maioria das pessoas que me vê na rua não vê nos meus trejeitos uma ¨sapatão". Olhar pra mim significa ver uma mulher feminina, nada mais. E, voltando à parada, que é um evento magnífico de visibilidade invisível por algumas horas na avenida principal, minha roupa queria mesmo dizer:

Sim, sou sapatão e sofro lesbofobia, mesmo sendo capaz de usar o menor dos meus vestidos, e sim, me sinto mais invisível no movimento lésbico. Afinal, onde estão as lésbicas femininas que não estavam na parada?, me questiono.

E, claro, é sempre bom trazer humor (porque afinal de contas um sapato desse tamanho é hilário) a um movimento político que provou que plumas e paetês tem, sim, muito o que falar!




Texto: Sarah Vaz

Fotos: ROBERTO ALVES REIS



6 comentários:

  1. É...o jeans e o cinza não são tão vivos quanto esses coloridos gestos de mini-saia e sapatão.

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  2. belo post, sarah. concordo contigo e renovo a pergunta: é preciso ser masculina para ser militante? parece que há um certo preconceito com as lésbicas femininas no movimento ou é impressão? Acho que as moças têm que chegar chegando, MESMO. E parar com essa bobagem. Estamos tod@s no mesmo barco. Beijos pra você!

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  3. É... Sempre procuro ver mais do que simples frases pareadas formando um sentido único. E, particularmente creio entender a necessidade de expor as ideias, os trejeitos, a arte de alguém que não é passivo, tal como você, Sarah.
    É especialmente importante que movimentos como a Parada e a sua parada para compor este escrito, que é transcendental porque sabe atingir mais pessoas e coisas que aparentemente notamos, seja sempre pautado nos movimentos mais verdadeiramente humanos. Prolixidades a parte, belo trabalho! Realmente belo! Um beijocomosempre!

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  4. afinal, que número era o sapato?

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  5. kakaka
    número: sapatão!
    Tipo; mais que 44, eu garanto.

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  6. Tu estavas tuuuudddo de bom... como sempre!
    Adorei teu blog gatinha, as discussões sobre o corpo me interessam muito e tu sabes disso. Temos de continuar aquele nosso papo... sobre fenomenologia e estruturalismo... e outros. Quanto à tua montaria na caminhada... foste um "detalhe" (e que detalhe!) que fez toda a diferença naquela bonita tarde de sábado! Bjo

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