terça-feira, 28 de julho de 2009

Homenagem ao Luto


" Você tem que amar a dança para persistir nela. Ela não te dá nada em troca. Nenhum manuscrito para guardar, nenhuma pintura para mostrar nas paredes e talvez pendurar num museu, nenhum poema para ser impresso e vendido nada além do momento fugaz em que você está vivo. Ela não é para almas instáveis."

Merce Cunningham

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte –
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.


Vinicius de Moraes


Homenagem singela aquele que se foi.

domingo, 26 de julho de 2009

Bogagens de uma bailarina baranga.


Estava passeando na Internet, quando me deparei com o link







Na hora pensei, claro, TUDO! quero um casamento assim.
(Terei que convencer muita gente e mais uma igreja que aceite um casamento gay, mas tudo bem!)

Pensando na história do corpo, a igreja tem uma contribuição fantástica para o tolhimento do corpo, o que faz o vídeo ainda mais interessante.


Durante a Idade média o corpo começa a desaparecer nas artes plásticas, na dança, na literatura.
Nas iluminuras e nos vitrais o corpo desaparece, a alma é o centro e o corpo a prisão dos pecados.

A dança, claro, é banida dentro da Igreja e o estudo da história da dança desse período se dá principalmente por as suas proibições.


Como diz Cassia Navas a ausência de história, também é uma história.



Desse período data a formação de uma arte “desenvolvida culturalmente” como a música e a poesia metrificada dos trovadores. Há um pensamento de métrica no corpo. As camadas privilegiadas começam a tolir os chamados “sentimentos confusos e fortes” do popular e estipular uma forma de dançar que haja uma beleza formal e um movimento organizado. Metrificado.


Ver essa rapaziada dançando "Forever" em um ato de amor, UI!
Dentro da igreja?
É pessoas o amor move montanhas e famílias!



Um ensaio sobre as construtividades do corpo em arte: A obra de Lygia Clark



... a História, em fim de contas, é a história

do lugar fantasmático por excelência, isto é,

o corpo humano.

R. Barthes



Conhecer o mistério de um corpo é talvez

mais importante do que conhecer

o mistério de um alma.

Mário Quintana



A arte para Bourriaud pode ser definida como uma atividade que busca produzir relações com o mundo com a ajuda de signos, formas, gestos ou objetos1. Todavia pensar em arte é pensar em épocas ante contextos sociais e principalmente em paradigmas e transformações sociais. Pensando na historia do corpo e aqui já começo me perguntando “é possível criar uma historia do corpo?” tentando enfatizar aqui um pensamento em dança cênica. Na história da dança, observamos um corpo profanado e incluído em uma retórica dentro dos processos da Idade Média e dando um salto gigantesco observamos bailarinas descorporificadas, eterias, praticamente sem pés no bale romântico.

O que pode um corpo? Nos pergunta Spinoza. O que pode uma arte com o corpo? Aqui pensando não apenas a dança, mas todas as artes que utilizam diretamente o corpo como as hapticas, a performance, a dança e o teatro. Voltando ao pensamento de Bourriaud a arte busca produzir relações e em arte contemporânea caminhamos não para um corpo no outro, longicuo, corforme? ‘obras que não tem como meta formar realidades imaginarias ou utópicas e sim constituir modos de existência, qualquer que for a escala exigida pelo artista’1. Um corpo presente que consiga habitar seu mundo, como no panfleto do espetáculo Experimento2 de Luciana Gontijo e Margo Assis “Nosso corpo esta aprendendo a não saber para onde ir” como se fosse necessário a re aprendizagem do mover, a percepção que temos um corpo, domesticado ou não, onde a pulsão e o sangue fluem. A possibilidade de um discurso do corpo presente.

Nietzsche segundo Julio Martins2 comenta de forma irônica e debochada a questão de nenhum filosofo ter escrito sobre o nariz do homem, uma ausência de reflexão sobre as questões corporais na filosofia tradicional. Que corpo é este que habitamos? Que historia ele nos trás? O que esta escrito em seu nariz? Estamos aptos a ler essa historia?

A historia pode ser contada de várias maneiras e a que coloco em linha aqui se faz necessárias para outras possibilidades futuras ainda nesse texto. Como nos elucida Greiner3 foi Merleau-Ponty e toda a genealogia do pensamento fenomenológico, que elucidou a proposta do corpo como estrutura física e vivida. Sobre este aspecto ao conceituar podemos visualizar uma corrente de fluxo entre exterior e interior. Assim podemos visualizar a historia de um corpo estudando a corporeidade de suas experiencias e a partir de seus processos cognitivos. Sua experiência vivida. Nos anos 60 Gibson conceitua a percepção haptica, conceito explorado por Deleuze que aponta a percepção não como fragmentaria mas como um conjunto. Para Deleuze, ‘o movimento da percepção haptica se aproxima mais da exploração de uma ameba do que do deslocamento de um corpo no espaço, pois o movimento da ameba é regido por sensações diretas, por ações de forças invisíveis como pressão, estiramento, dilatação e contração. Não é o movimento que explica a sensação, mas, ao contrário, é a elasticidade da sensação que explica o movimento’4. O corpo vivencia sua experiência artística então com um conjuntos de sensações hapticas em uma corrente de fluxo de interior e exterior. As organizações de suas construções motoras e sensórias foram se construindo através dos processos de aprendizagem e de cognição. Pensando em todos os nossos automatismos e todos os nossos processos corpóreos de aprendizagem, cada individuo experiência a arte em momentos e ate mesmo em cartografias neuronais distintas. A relação entre o propositor e o espectador leva a um indizível, algo que esta situado em um “ontológico” de qualquer compreensão e que sustenta a possibilidade transformadora da experiência.

Lygia Clark nasce em Belo Horizonte em 19205 e em suas obras explora não apenas o sentido da visão, muitas vezes já esgotado nas artes plástico. Mas o corpo como um todo. Lygia introduz na arte a experiência, trata-se de um deslocamento dos modos de “assistir arte” o qual é importante buscar novas estratégias de compreensão da experiência. Pensar o corpo – com o corpo – de uma outra maneira. “Somos os propositores: somos o molde; a vocês cabe o sopro” nas palavras de Lygia. Clark. Seu trabalho lida com a obra de arte como objeto autônomo, seu duplo caracter, escultório e lúdico. Nos “Bichos” a artista propõe matéria mole, dobradiças, eixos, bichos. Em seu trabalho com objetos relacionais Lygia realiza sessões onde seus ‘paciente’ experienciam seus corpo por várias propostas sensórias.

“O homem encontra seu próprio corpo através de sensações táteis realizadas em objetos exteriores a si. Depois incorporei o objeto, mas fazendo-o desaparecer. Entretanto, é o homem que assegura seu próprio erotismo. Ele torna-se objeto de sua própria sensação” Afirma Lygia em 1969 citado por Milliet6 ,p.110.

O corpo contemporâneo fragmentado, o conhecimento fragmentado, a dicotomia teoria-pratica, corpo-espírito. Seria também a proposta do contemporâneo integrar? Como integrar, unificar na individualidade? Na percepção que somos todos diferentes e em uma arte que cada dia mais do valoriza a experiência individual, pensando como disse Cássia Navas nas nossas listas de supermecado. Como unir o corpo? Como estar presente na experiencia?

Lygia trabalha uma serie de contextos e diálogos, signos e significantes. Ready-mades, “roupa-corpo-roupa”. Segundo Milliet 6 tanto em Clark como em Artaud a proposta é de uma ousadia consciente, um risco procurado, uma dor consentida porque busca arrancar das pessoas a anestesia a que estão culturalmente condenadas. Pensando em dança é a mesma opção poética se da ao gesto, não há como museificar o gesto, ele contem a efemeridade de sua história, do corpo que a produz e de como ele o produz. A pratica poética nesse contexto é visceral, desentranhada da própria carne; é a materialização do imaginário, do sensório, do devaneio, do delírio. A poética da construção e desconstrução do ser.

sábado, 25 de julho de 2009

V Caminhada das Lésbicas e Simpatizantes de Minas Gerais

Sobre o movimento lésbico, a parada e minha montagem.



Na sexta-feira fui a uma festa, já quase montada para a parada: maquiada, cabelo pintado e cortado. Contei a um amigo (gay) sobre meu plano. "Vou à parada montada: de sapatão e minissaia." Ele comentou: "Sarah, como você sobrevive às pequenas crueldades com você mesma..."

O engraçado é que ele estava certo. Afinal, ressignificar um termo tão pesado como "sapatão" e utilizar isso como força politica não é algo muito simples. Fora a parte prática de se montar, que delonga o cabeleiro, a roupa...



Ao se pensar em nomes, sempre penso: um dia sairemos dessa necessidade desvairada de dar nomes às coisas?


Sapatão, tucha, funcha, lésbica, homossexual, homoamante, cola velcro, sapa , mapoa, entendida...

Isso modifica minha relação com meu corpo? O nome que dão à minha forma de me expressar sexualmente reflete o que, exatamente?

A meu ver, os nomes trazem um afastamento do cotidiano; afinal, sapatão não significa que temos pés grandes; é uma desagregação do nosso discurso político e nossa forma de o representar.

Acho politicamente necessária a inclusão dessas falas,
nossas (entendidas) e de outrem (sapatão), porque é através delas que nós nos reconhecemos e nos auto-identificamos.

Mesmo assim, é preciso lembrar o caráter histórico e contingente das palavras, razão pela qual seus usos também devem ser revistados permanentemente para não deixar de fora aqueles que esperam ser representados.


O termo sapatão vem sempre de um outsider, um outr
o, e, afinal, o movimento gay é para o outro; nós (pelo menos os bem resolvidos) não temos problemas em dar nomes ou com manifestação de carícias e afetos; pelo contrário, resolvemos isso muito bem.

Aprendi cedo o que significava ¨sapatão¨; veio aos meus ouvidos gritado de um carro quando ainda era muito nova e muito "bofinho". Aí vem um questionamento óbvio: o termo sapatão é excusivo para lésbicas de um estilo masculino?



Voltando à minha roupa, ela tinha questionamentos explícitos, para aqueles dispostos a ler na moda discursos de linguagem.

Na parada e na caminhada, é fácil observar que na maioria as mulheres são mais andróginas ou masculinas. Não há juízo de valor nessa frase; é só uma constatação.

Eu me questiono sempre por quê. Será necessário ser mais masculina para ser ativamente política?

Pensando nisso, se deve analisar que a lesbofobia que sinto e que sofro em meu corpo enquanto uma lésbica do estilo mais feminino é bem distinta de uma lésbica do estilo mais masculino. (Obs. a teoria queer utiliza os termos bucht / femme. Evito utilizá-los por achá-los longe do nosso cotidiano.)

E posso estar errada, mas acredito que a lesbofobia para lésbicas femininas é mais frequente e para as lésbicas mais masculinas é mais violenta.

A manifestação do preconceito para uma lésbica feminina vem sempre pelo abuso sexual ou pela ridicularização. Para os homens "comuns", o lesbianismo é uma piada, uma excentricidade para diversão deles.


Para nós, lésbicas, é nossa forma de ser, de amar, onde nos completamos no outro.

A homofobia, por mais que lutemos, ainda ocorre todos os dias. Aqui falando de minha experiência, não há um dia em que não escuto uma piada ou que não aparece um "engraçadinho" para tentar alguma coisa. Não tem um dia em que entro em uma boate, até em boates gays, que um homem não me segura pelo braço e tenta beijar minha parceira e eu.

Apesar disso, a maioria das pessoas que me vê na rua não vê nos meus trejeitos uma ¨sapatão". Olhar pra mim significa ver uma mulher feminina, nada mais. E, voltando à parada, que é um evento magnífico de visibilidade invisível por algumas horas na avenida principal, minha roupa queria mesmo dizer:

Sim, sou sapatão e sofro lesbofobia, mesmo sendo capaz de usar o menor dos meus vestidos, e sim, me sinto mais invisível no movimento lésbico. Afinal, onde estão as lésbicas femininas que não estavam na parada?, me questiono.

E, claro, é sempre bom trazer humor (porque afinal de contas um sapato desse tamanho é hilário) a um movimento político que provou que plumas e paetês tem, sim, muito o que falar!




Texto: Sarah Vaz

Fotos: ROBERTO ALVES REIS