A homofobia é ainda uma realidade a ser contestada.
Segue minha pequena memória em homenagem a esse dia, um texto lindo de Milly Lacombe.
Orgulho do que, meu Deus?
Ou quando um comentarista esportivo usa seu microfone para pregar a intolerância
Por Milly Lacombe
Estava ligada, como normalmente faço depois de um jogo de futebol, na Jovem Pan AM para ouvir os comentários sobre a partida. Era sábado, um dia antes da Parada do Orgulho Gay que prometia invadir a avenida Paulista. De repente, os comentaristas especializados (em futebol) desandam a falar sobre a parada.
Deixemos de lado o fato de um programa esportivo ter incluído em sua pauta, para fins de deboche, a parada gay e vamos direto aos fatos. As colocações que iam sendo feitas, como aquelas que todo o bom machão faria, eram as mais homofóbicas. Mas, no meio das piadas fáceis, as do tipo que qualquer criança de três anos conseguiria entender, eis que o repórter Luiz Carlos Quartarollo resolve soltar, no ar, uma pérola da discriminação. Fuzilou ele o seguinte:
- E eles dizem que é a parada do orgulho. Orgulho do que, meu Deus?
Para um homem branco e heterossexual que não possua nenhuma deficiência física o conceito "discriminação" é quase estrangeiro. Então, entendo que a palavra orgulho quando usada para dar título a uma parada gay precise ser explicada. O que não entendo é um comentarista esportivo usar o microfone e o poder midiático que lhe foi emprestado para pregar a intolerância.
Aprendi por experiência que os mais homofóbicos e machões são também aqueles mais inseguros com a própria sexualidade. É uma regra que raramente falha. Porque o sujeito bem resolvido sexualmente, para um lado ou para o outro, vê a vida de forma tolerante e percebe, por exemplo, que ser um homem feminino não fere seu lado masculino, ou vice-versa. O bem resolvido, por observação, tem amigos gays, quando faz piadas sobre minorias está na presença das próprias minorias, tem coragem de ir a uma parada gay só para ver a festa. O bem resolvido, antes de qualquer outra coisa, cuida da própria vida.
Seja como for, vou tentar explicar por que usamos a palavra orgulho nesse tipo de manifestação.
Além do estereótipo Orgulho por termos entendido que não somos doentes, por termos passado batido por piadas sobre nossa sexualidade feitas por gente que nem conhecíamos, por termos superado o temor de dizer a nossos pais quem realmente somos, por termos jogado bola ou brincado de boneca mesmo ouvindo deboche de professor, por termos aprendido a nos aceitar, a amar, a lutar por nossos direitos e a celebrar todo tipo de diferença, por termos tido coragem de sair do armário mesmo sabendo que muitos ainda nos acham imorais, por termos aprendido a não ligar tanto quando alguém no restaurante não pára de olhar simplesmente porque não somos "padrão", por termos quebrado dogmas e barreiras para nos fazer ver e respeitar, por termos coragem de mostrar amor em público, por termos peito para tomar a principal avenida da cidade mesmo sabendo que seremos ridicularizados publicamente em programas esportivos, por termos nos tornado quem deveríamos ser, por ousarmos ser quem somos.
Mas, principalmente, porque orgulho é o contrário da vergonha.
A verdade é que quem vê aquele bando de gente festejando e se abraçando pelas ruas não sabe que toda alma ali presente sofreu muito para poder ser quem é e viver plenamente. Não se trata, ainda que esta seja a análise mais simples, puramente de um carnaval, de uma exibição de músculos, plumas e paetês. Ser gay envolve muita dor, sua e das pessoasque você ama. A festa que promovemos, e à qual deu-se o nome de orgulho, pretende exatamente celebrar as pessoas que somos, com nossas fraquezas, conquistas e qualidades. Festejar simplesmente o direito de existir.
Chance perdida.
O tal Quartarollo perdeu uma boa chance de ajudar a diminuir o preconceito dentro de uma das classes mais preconceituosas do mundo.
Perdeu também a chance de dar uma lição humanitária sobre o respeito às diferenças.
Sugiro ao repórter esportivo -- que, segundo informações, é uma pessoa inteligente -- que deixe por algumas horas o preconceito em casa e dê um pulo na Paulista no ano que vem. Ele verá desfilando ao lado de belíssimas e elegantérrimas drag queens gente dos mais variados fenótipos, de mulheres sofisticadas a outras mais masculinas, de machões a homens mais femininos, passando por famílias, velhinhos e velhinhas. É um desfile, mais do que qualquer outra coisa, da riqueza que existe na diversidade humana.
E quando quase dois milhões de pessoas se envolvem em uma mesma aglomeração sem que se registre um incidente sequer, então talvez essa galera tenha algo de bom a mostrar e a dizer. Àqueles, claro, que estiverem dispostos a enxergar além do estereótipo.
muito muito bom o texto! parabéns para todos :)
ResponderExcluiradorei a parte do "simplesmente pq orgulho é o contrário de vergonha". é isso mesmo.
Realmente muito bom esse texto da Milly!!
ResponderExcluirEsse também é:
http://www.youtube.com/watch?v=TWoBWKBALRM
http://www.youtube.com/watch?v=OnSkFnFjsSs
milly, o rogerio nao te ensinou o bastante?
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